sábado, 6 de setembro de 2014

Sobre Fozes e Nascentes

Sou um rio caudaloso. Nasci há muito tempo, quando as montanhas eram ainda jovens. Sou uma criatura muito vívida e intensa, e carrego comigo milhões de outras vidas. Sou um rio que cruza vários estados da nação, e apenas um da matéria. Venho de vales e montanhas, de planícies e florestas, banho fazendas e cidades. Cruzo também mais de um país.

Estivemos em milhões de lugares, em todos os lugares do mundo, e lá fomos sempre bem recebidos. Nossas águas banharam três fronteiras, e se precipitaram em quedas e em iluminações maravilhosas. Atravessaram pontes, e, sob a forma de gotículas em suspensão, molharam as faces deslumbradas de incontáveis criaturas também em suspensão. Precipitaram-se também sob a forma de lágrimas, como uma pedra que canta uma triste canção, e prenuncia um choro em cascata que é uma das sete maravilhas da natureza.

Nacimos de muchas madres, viemos de muitos afluentes, de tudo aquilo que se esforçou para ser nós. E, sobre a ponte, foi posta à prova nuestra amistad. Passamos em testes todos. Estivemos sim em três lugares ao mesmo tempo, e todos os outros lugares por aqui estiveram. Estivemos em Libra, em Órion, na Pedra que Canta; estivemos com Naipi e Tarobá nos primórdios de nossas águas com seu amor nunca consumado. Todos os lugares são o mesmo, todas as cidades são iguais. E esse lugar é deveras maluco!

Gosto das pessoas que dançam sob e sobre as minhas águas. Gosto daquelas pessoas que topam qualquer passo, por mais insano que seja. Pois que dança nenhuma é impossível. Aprendi que o impossível nada mais é do que o que temos medo inconsciente de alcançar. Dançamos pelos anos, atravessamos tantas águas, e é impressionante imaginar até onde esses passos já nos levaram, a quantas margens de um mesmo rio. Caímos da vida em cataratas. Retornamos em nascentes maravilhosas.

Nascemos e morremos, para dizer a verdade, o tempo todo. Nascemos assim, em fontes cristalinas escondidas em selvas impenetráveis. Por vezes, nascemos também de confluências. Mas morremos em fozes maravilhosas, em pedras que cantam, em cachoeiras deslumbrantes. Outras vezes imigramos para países hermanos, e um dia iremos desembocar em mares argênteos.

Perdemos. E às vezes ganhamos. Sou um rio caudaloso. Não sou afluente, pois que sou feito de afluentes. Não sou riacho, pois que meus afluentes são feitos de riachos. Não sou ribeirão, pois que os riachos de meus afluentes são feitos de ribeirões. Sou um rio caudaloso, o segundo maior rio do país, e esse é o meu maior orgulho.

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